domingo, 2 de novembro de 2014

O Mistério da Rua Hill - Carlos A.Puga - Cantinho do Autor


James estava se mudando para a Rua Hill, no vilarejo Silver Hall em uma cidadezinha nos arredores do sul da Europa. Em parte não estivera feliz por estar migrando para o novo aposento, se encontrava ali pela mãe.
Apenas.
A mãe sofria problemas sérios de saúde e agora que passara dessa fase tão desastrosa, queria deixar a mesma em um lugar calmo em que pudesse aproveitar mais a si mesma. A cidade em que moravam anteriormente era enorme e barulhenta, tipicamente populosa e turística, o que deixava a desejar a James, que sofria a cada surto epilético da mãe em suas crises doentias.
Ele era um homem de mais de trinta anos, formado, mas que desde há quase um ano vivia a vida da mãe e não a sua. Sua mãe sofria de um grande mal, sofria de vários problemas de saúde e chegava a convulsionar durante alguns minutos, surtar para então cessar e voltar a si mesma. Era algo difícil e que o destruía aos poucos, mas que este não aceitava desistir, afinal, era sua mãe. Faria o que fosse preciso, quando e como fosse preciso.
Silver Hall era silencioso até demais, chegava a tornar-se estranho. James não era acostumado a um lugar tão calmo como este, ruas vazias, sem sinal de vida no derredor. A Rua Hill era o complemento para o silêncio do pequeno vilarejo, as casas vitorianas se alastravam pelos dois lados, jardins bem sujos e outros poucos limpos causavam uma impressão de abandono ao local.
Ouvia-se apenas o som dos pássaros que cantarolavam enquanto voavam e por fim desciam para se apascentar nos galhos secos que contornavam o outono, a brisa era leve e era quase impossível senti-la. Estava uma manhã nublada, abafada onde abatia um leve infortúnio em James.
Dando breves pausas para respirar, este carregava os vários pertences encaixotados para dentro da residência, enquanto passava inúmeras vezes sempre observando o sofá no meio de seu jardim mais que mal-cuidado. Selena, a mulher já de idade avançada, retribuía o olhar do filho com despreocupação como se quisesse entender o que este tanto a encarava, em seguida ela ria sozinha e balançava as pernas sem parar olhando para as casas e todo o ambiente á volta.
James suspirou em resposta, ele poderia gargalhar da mãe e juraria que ela apenas repetiria a ação como se tudo fosse engraçado. Era difícil, às vezes ele queria entender e saber se ela ainda era sua mãe e se não era o contrário, afinal, em tudo a mulher dependia dele agora.
Levou um pouco mais de uma hora para que ele levasse todos os pertences para dentro da pequena e antiga casa, levaria talvez mais o resto do dia para retirar tudo das caixas e arrumar tudo em seu devido lugar. Quando entrou levando a mãe, bufou ao sentir o cheiro de mofo pairando no ar, observou as paredes um tanto encardidas e o assoalho gasto sob seus pés.
— Estamos em casa, mamãe. Enfim em casa.
Ergueu as sobrancelhas em contestação por um instante, já querendo voltar pela porta á suas costas e entrar no carro seguindo de volta ao seu verdadeiro lar. Seu dinheiro dera para adquirir exatamente aquela casa, nunca teria o lindo imóvel que possuía longe dali, não teria mais nada. Só a mãe e o silêncio e talvez os vizinhos que até agora não deram as caras. Seria cedo demais?
Passara o resto da tarde e a noite descansando, o suficiente para que renovasse suas forças depois de um dia tão cansativo e melancólico. Estava em um sono profundo, sabe lá sonhando o que, talvez nada, mas fora interrompido por um estampido alto que invadiu a casa provocando um eco perturbador.
James no mesmo instante se levantou de um salto tateando a cômoda para se apoiar e em seguida acender a luz do quarto, o local se iluminou no segundo seguinte e revelou o ambiente pesado e estranho que era a casa. Calçou seus sapatos e saiu se arrastando pelo corredor estreito, passando por quadros de paisagens que já estiveram ali quando chegara, logo depois agarrou o molho de chaves e escancarou a porta vagarosamente.
Só se ouvia os sons dos grilos e outros insetos ao céu, a rua era um breu e estava bem frio, quando ele olhou para a direita e para a esquerda só viu escuridão. À esquerda, um ou dois carros estavam estacionados em frente às casas, o esguicho estava ligado em um jardim à direita e do outro lado da rua lá estava uma cena peculiar. Uma luz tomou conta do hall de entrada da casa à sua frente. Uma mão atrás da porta correu pelas cortinas e as puxou de modo tão vagaroso que se não estivesse olhando fixamente poderia nem ter notado.
Então uma mulher com olhos escuros e o rosto lívido e estranhamente repleto de tristeza encarava-o com apenas metade do rosto exposto na vidraça da porta.
Sentindo-se desconfortado, ele voltou-se para a porta e já ia atravessando a sala quando ouviu novamente o barulho chegando até seus ouvidos. Era alto, estranho, parecia o som de algo batendo fortemente contra o chão, se arrastando, fluindo e estremecendo pela escuridão. James parou onde estava e ouviu atentamente.
Jay...
Sentiu os pelos de seus braços eriçarem e seu corpo estremecer enquanto ouvira a voz fraca, rude e antiga correndo por todo o lugar. Achou que não era só ele que ouvira, a primeira ação foi olhar para o outro lado da rua, mas as luzes já estavam apagadas e ele estava sozinho no meio da noite. Estaria louco?
Jay era seu apelido de infância batizado por sua mãe, ela usara até alguns anos atrás, enquanto ainda era ela mesma. Não eram muitos os que conheciam o apelido, isso se resumia apenas à Selena.
Selena.
Ele correu para dentro de casa, atravessou a sala, a cozinha, o corredor estreito e correu para o quarto dos fundos, saiu esmurrando a porta de madeira à sua frente e olhando para todo o lugar ofegando estando totalmente amedrontado. Estava vazio, o lençol na cama estava desfeito. Ela estivera ali, mas onde estava agora?
— Mãe! — James gritou instantaneamente. Correu até o banheiro, para o jardim nos fundos, mas nada. Ela não estava ali.
Foi quando ele voltou para a entrada e saiu correndo pela rua sem saber para onde ir, sussurrando, chamando-a, mas não querendo despertar os vizinhos que mal conhecia. Se é que existia algum.
Ele não estava em forma, ofegava e resmungava de raiva enquanto continuava a seguir até o fim da rua acompanhando o som que agora era mais alto.
Jay... Jaaay... Ja...
Quando se dera conta já estava em um jardim de grama amarelada, mas era úmido o chão sob seus pés e seus sapatos se perdiam na terra que se desmanchava e que agora ele pensava que esta fosse o engolir. O grito ficou mais forte enquanto olhou para seus pés, levantou-os para se livrar do líquido espesso que o puxava. Era escuro, grosso e... vermelho como sangue.
Era sangue, muito sangue.
No exato momento em que vira que era realmente isso o terror o invadiu, suas pernas tremeram e começou a cambalear e recuar para a rua caindo de costas no asfalto. Soltou um gemido quando seu corpo tocou o chão, levantou como se dependesse disso para viver e saiu correndo de volta para o caminho pelo qual viera.
Sentiu alguém o seguindo, acompanhando seus passos fortes enquanto corria, a força o perseguia e era perturbadora. Sua vista escureceu e o coração bateu tão forte em seu peito. Ele estava no chão novamente e tudo se dissolvia em escuridão.

Seus olhos se abriram, sentias as pálpebras pesadas e o corpo parecia ter sido atropelado por um caminhão. Ergueu-se vagarosamente querendo lançar o despertador janela afora enquanto dava um passo de cada vez para fora da cama.
Perdeu-se por um momento em seus pensamentos e parou boquiaberto relembrando a noite anterior, sentia uma pontada forte ao lado esquerdo da cabeça enquanto colocava a mão no rosto.
— Não...
Olhou para o chão e encarou seus pés, estavam vermelhos e sujos, repletos do que na noite ele vira que era sangue e agora estava seco na sola e também por todo o quarto no chão.
— Porra.
Não conseguiu discernir nada do que acontecera, seu primeiro ato foi correr para o banheiro e ficar por lá por quase meia hora sentindo a água morna caindo lentamente por seu corpo. Logo depois, preparava-se para correr novamente para o quarto da mãe e enlouquecer, mas ela estava na sala apenas sentada em sua cadeira de descanso enquanto tricotava e via TV.
Respirou mais calmo jogando a toalha por trás do pescoço e seguindo para o quarto. Em alguns minutos limpava a sujeira deixada pela noite confusa observando as pegadas seguiam da beira da janela até sua cama.
O dia não poderia ter sido mais tenso para James, mas a noite chegara espreitando tenebrosamente guardando-lhe o pior. Acordara no meio desta urrando de dor, com a roupa ensopada de suor e ainda ouvindo o mesmo som.
Talvez fosse tolo ao insistir, entretanto, ele precisava entender o que estava acontecendo naquele lugar e quando ele atravessara os cômodos para verificar o quarto da mãe, novamente ela não estava lá.
Fora assim que voltara a correr pela rua deserta, agora sem medo gritando pela mãe, mas ninguém saiu na calçada ou luz alguma se acendeu nas varandas, era como se ele estivesse esquecido naquele lugar.
Esperava por ouvir a voz o chamar novamente, derrubando a máscara para lhe revelar que ele não estava delirando ou sonhando e tudo estava realmente acontecendo. Não houve voz, mas um titubar constante se elevava no imenso silêncio, era contínuo e muito alto, parecia muito com um sino.
Era um sino.
Começou a seguir o som, uma vez cambaleando, outra vez se amedrontando a cada passo para dentro do lugar desconhecido. As árvores eram gigantescas e sem folhagem alguma, mais pareciam garras prontas para destroçá-lo no longo caminho que era tortuoso.
Agora ele não estava sozinho, sabe-se lá de onde, pessoas começavam a entrar na trilha e ir para além da ruazinha seguindo para uma área florestal ainda mais horrenda.
— Aonde vocês vão! Onde está ela?! — gritou James para todos que passavam ao seu lado deixando-o despercebido.
Homens que vinham em grupo simplesmente empurraram-no do caminho e seguiram juntos das outras pessoas, o ignorando totalmente.
E então ele viu, ao longe, há metros dali, o grupo que arrastava uma mulher idosa e fraca, os pés desta se arrastavam pelo chão deixando uma trilha na terra. Era sua mãe Selena.
— Larguem-na!
Ele gritou, mas algo logo o acertou pelas costas e então sentiu o corpo se entregar a inconsciência.

James levantou-se desesperado, a respiração rápida e os olhos procurando uma saída imediatamente. Seu rosto estivera colado à úmida terra, a mata crescia à sua volta e ele sentia-se perdido em meio ao número enorme de árvores.
Ele fora nocauteado no meio da trilha, não havia mais pessoas por ali, mas estavam por perto, afinal, podia ouvir o som alto da junção das vozes de centenas de pessoas.
Sua primeira reação foi voltar a correr seguindo as vozes para dentro da enorme floresta. Tropeçava em galhos secos, ralhava quando seus pés pareciam ser agarrados por garras que na verdade eram plantas secas e estranhas. Deu um salto para avançar diante de um enorme tronco podre e escuro em seu caminho e acabou por atravessar um manto de folhagens secas.
Olhara o redor e seu corpo endureceu, não conseguia mexer um músculo sequer, o medo o contaminara. O espaço era enorme e limpo, um círculo gigante que mais parecia um enorme coliseu, o altar era de uma rocha escura e tinha metros de altura.
Havia manchas por toda a sua estrutura, era sangue seco.
À volta do lugar eram centenas de pessoas amontoadas, todas com mantos negros e olhares perturbados e sombrios. Havia crianças, homens, mulheres e idosos, todos estavam ali. Ali que estavam todos, todos os habitantes que ele não vira em Silver Hall.
E no grandioso altar uma mulher com um enorme manto vermelho gritava palavras em uma língua estranha enquanto erguia para o alto sua mão agarrada a uma adaga ensanguentada. Não era tudo, atrás desta havia árvores grandes de galhos enormes que mais pareciam ganchos e presos a elas havia corpos, muitos corpos.
A maioria eram mulheres penduradas e havia uma ou duas crianças à vista. James encarou com um olhar profundo e repleto de medo, os olhos dilatando ao ver a chocante cena e então ele viu por fim.
Seu corpo desmoronou de joelhos sobre a terra no mesmo instante, sua querida mãe Selena estava no chão do altar. Estatelada, pálida e fria. Sua jugular fora retalhada e suas roupas estavam ensopadas de sangue enquanto seus olhos encaravam o além, talvez bem longe dali.
— Não!
James se aproximou ainda mais, juntando forças para continuar de pé, as lágrimas escorriam e seu corpo entrava em choque.
— Ora, ora, Jay. Vai querer juntar-se a ela? — entoou a mulher no altar rispidamente com um sorriso travesso no rosto. Ela possuía uma aura estranha e possessiva, seu rosto era obscuro e em instantes apresentava a pele clara e outro instante já se habituava a uma pele cadavérica de olhos vermelhos e uma língua serpenteando em sua boca.
Era monstruoso.
— O que você é? — gritou James entredentes com absoluto medo.
— Eu sou o que eu quiser. — gargalhou diabolicamente a mulher, sua língua voltou-se anormalmente passeando por seu rosto em ângulos anormais— Se quer viver, suba aqui e me dê o coração de sua amada mãe.
 James a encarou sem desviar os olhos por nenhum segundo enquanto ela descia o braço e deixava a mão aberta com a adaga em sua direção. Sua vida passou diante de seus olhos e não sabia o que fazer, queria viver. Sua mãe já estava morta, não poderia trazê-la de volta.
O que seria mais válido? Sua vida ou a alma não violada de sua mãe?
Neste momento ele talvez tenha feito a escolha errada que se arrependeria pelo resto de sua vida caso vivesse, mas não queria terminar ali, não agora. Selena talvez tivesse dias depois deste dia ou até um ano, mas ela não duraria muito mais, não do modo que vivia.
O pesar o tomou quando ele caminhou com passos trêmulos até a mulher subindo a pequena escadaria feita por restos de rochas, parou por um instante e então arrebatou a adaga da mão asquerosa e agora escura.
— Boa escolha, James. — ela mostrou um sorriso de dentes amarelos e sujos que deixavam claro o que parecia resquício de sangue e carne. Ele não soubera dizer, apenas deduzira pelo forte odor que tomou conta de suas narinas.
— Entretanto, — ela continuou a falar e James sentiu-se tonto apenas de ouvir sua voz— até mesmo aqui, não são aceitos traidores do próprio sangue. STEVE! — gritou ela, um dos homens atrás desta que cobria o rosto com uma grande cabeça animalesca com galhadas apenas se aproximou e agarrou a adaga que agora James notara o estranho nome estampado nesta, ele desconhecia o mesmo.
Quemós
— MATE-O!
James não soube o que sentir naquele momento, apenas deu às costas e saltou de cima do altar. Suas pernas bateram com força contra o chão e então rolou para o lado, rapidamente se levantou cambaleando e tropeçando enquanto correu para a perdição em meio à floresta.
O homem, que parecia inumano, corria em sua encosta com sua enorme cabeça e galhadas escorrendo sangue e um líquido negro enquanto balançava de um lado para o outro apertando a adaga em uma mão e na outra segurando um facão afiadíssimo.
Passava entre as árvores se desvilhenciando de galhos que o prendiam, saltando pedras e tirando fôlego e força da onde já não existia mais. Mas o demônio, criatura — seja lá o que fosse aquele ser com cabeça de animal— continuava correndo sem pestanejar ou cansar.
— Me deixa em paz!
A criatura pareceu o ignorar e ganhava ainda mais velocidade, enquanto este já tropeçava e rolava pela mata, se arrastava pelas daninhas secas que se alastravam pelo chão úmido. Tentou respirar, mas novamente já se jogava na trilha correndo e a criatura agora estava mais próxima.
Voltou-se para trás olhando pelo canto dos olhos a cada segundo para medir a distância do perseguidor, sua boca abriu-se em negação ao observar a cena...
O facão alçou voo com uma força descomunal, tentou se jogar, rolar, mas fora rápido demais e fora acertado com uma imensa força que o derrubou no chão. Seu rosto bateu com uma imensurável força enquanto ele sentia instantaneamente seu nariz sangrar, um líquido quente escorreu por suas costas enquanto ele desfrutava de um profundo queimar que parecia consumir cada célula de seu corpo. Gritou sem se preocupar com mais nada, a dor era tudo enquanto seus olhos lacrimejavam e seu corpo todo se contorcia no sentimento destruidor.
Barulho de passos ficaram claros gradativamente, James tremia de medo enquanto podia ver a enorme sombra à suas costas, o perseguidor se curvou sem soltar uma palavra sequer e postou-se a puxar de uma só vez o facão que perfurara profundamente a carne do homem.
— Você não foi nada e não seria o primeiro egoísta a morrer e nem o primeiro a sobreviver em Silver Hall. — sussurrou o perseguidor desabafando com uma voz rouca, fria e cortante.
James encarou-os com os olhos paralisados enquanto gritava e urrava de dor, em seguida acompanhou o vulto do objeto descia e não viu nada além de sangue espirrando por todo o lugar enquanto sentia sua existência esvair-se de si.


Quemós, conhecido como estrela negra, é um deus pagão ainda adorado muitas pessoas na tradição judaica. Deus que exige apenas sacrifícios humanos para obtenção de poder e riqueza. Aqueles que acreditam e o adoram dariam suas vidas para agradá-lo, levando então a vida de crianças, mulheres, homens e qualquer alma que ouse atravessar seu caminho nesta terral.
Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial

0 comentários:

Postar um comentário

Novidades no Wattpad!

Abaixo, os títulos disponíveis para leitura na rede social Wattpad:

Cantinho do Autor

Mande já seu conto ou história para a Jovens Leitores: jovensleitoresblog@hotmail.com

Copyright © Jovens Leitores | Traduzido Por: Mais Template

Design by Anders Noren | Blogger Theme by NewBloggerThemes