sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Caso Cassie O Armário Maldito - Maria Clara Donato - Cantinho do Autor

31 de Outubro de 1968, 00:34
Um vento frio fez um barulho estranho ao bater na janela entreaberta. Mark puxou ainda mais as cobertas e cobriu o rosto, um calafrio percorreu sua espinha.
Ele quis levantar e correr para os braços de sua mãe, mas lembrou que ela não estava mais nesse mundo. O lado dela na cama estava vazio e o seu pai estava, mais uma vez, bebendo e chorando pela morte precoce de sua esposa.
O quarto estava muito escuro, apenas pequenos feixes de luz passavam por entre as frestas da cortina nova, especialmente comprada para o seu quarto novo que iria dividir com seu pequeno irmão que fora embora com sua mãe, a casa nova que eles nunca iriam compartilhar. Casa que não era assim tão nova, mas um antigo casarão que ficava na periferia da cidade, construído nos anos 20, mas que sempre fora a paixão de sua mãe. No entanto, ainda que finalmente tenham conseguido comprar a casa, ela nunca iria chegar a viver o seu sonho de morar lá. Ele estava sozinho na primeira noite em sua nova casa.
Já passava das duas e meia da manhã quando Mark acordou súbitamente. Seu corpo estava ensopado de suor e sua boca seca. A princípio, não foi possível identificar o motivo de seu despertar, mas, aos poucos, pequenos sussurros começaram a ficar audíveis. Sussurros que formavam uma melodia, uma leve canção de ninar, como as que sua mãe cantava para ele. Seus batimentos cardíacos aumentaram, suas mãos suavam e cada vez mais nitidamente ele ouvia aquela velha canção de ninar.
A voz era mais infantil, mas parecia a sua mãe. Mark não conseguia se controlar. Saltou da cama e tentou seguir aquela bela voz, precisava de algum acalento.
Os pés vacilantes de Mark tocaram o chão frio e ele se arrepiou mais uma vez. Calçou os chinelos e tentou caminhar no escuro, tateando o quarto recente e ainda desconhecido sob a baixa luminosidade. O som parecia surgir de dentro de uma porta onde deveria ser o armário, mas que agora só tinha um empilhado de caixas.
Mark se aproximou calmamente e abriu a porta. O canto agora era um pouco mais forte, mas com tons desafinados de uma criança. Ele estava desesperado por companhia, podia não ser sua mãe, mas talvez fosse qualquer pessoa que o consolasse.
O armário cheirava a mofo e não tinha nenhuma saída. De onde vinha aquela voz? Ele começou a apalpar as paredes, suas mãos estavam suadas e tremiam levemente. Aquela música começava a enlouquecê-lo, penetrava em seus ouvidos e envolvia seu corpo, ele não sabia mais se estava vivendo a realidade ou se estava tendo alucinações.
A música estava ainda mais forte quando uma saliência na parede chamou a atenção dele. Não era apenas uma saliência, mas um desnível do tamanho de uma pequena porta. Mark se desesperou com a possibilidade de encontrar a dona de uma voz tão sedutora. Em um impulso, seus dedos encontraram um pequeno pedaço solto no papel de parede e ele começou a puxá-lo desesperadamente.
Pedaços de papel de parede voavam por todos os lados, lágrimas escorriam pelo rosto de Mark e o seu desespero fazia com que ele rasgasse o papel com mais força. Pedaços de papel já cobriam o chão quando ele sentiu um pequeno ferrolho que trancava a porta por fora. A voz agora era nítida e possuía todos os sentidos do pequeno garoto e o enlouqueciam.
Enfim ele conseguiu entreabrir a porta. Apenas era possível distinguir um pequeno vulto, sentado de costas para a porta, cantando. Mark se abaixou para passar pela abertura apertada.
A garota se virou para ele.

31 de outubro de 1968, 12:34                       
Após beber a noite inteira, Rudolph despertou muito tonto e com bastante dor de cabeça. O sol forte invadia a cozinha de sua casa nova.
Olhou o relógio. Já passava do meio dia. Onde estaria Mark?
Ele reconhecia que estava sendo um péssimo pai, reconhecia suas falhas, mas a perda de sua mulher durante o parto e seguida da morte de seu segundo filho o abalaram profundamente e o jogaram de volta a um vício antigo.
Ele se afastou. Seu hálito fedia a bebida e tinha um pouco de vômito em seu braço, resquícios de mais uma noite que deveria ser esquecida. Rudolph olhou mais uma vez para o faqueiro. A vontade de ceifar sua própria vida era grande e agonizante, a dor que o atormentava levava sua sanidade aos poucos, mas Mark era um motivo para permanecer, ele precisava cuidar do filho.
Ele andou tropeçando nos próprios pés e se esforçando ao máximo para vencer a grande escada que levaria ao quarto de seu filho. Precisava vê-lo antes de ir se deitar. A velha rotina. Dormir após ao meio dia, acordar as 18:00 e beber até ver o sol nascer.
Ele tocou na maçaneta fria do quarto de Mark e sentiu um calafrio percorrer seu braço. Ao abrir a porta, Rudolph sentiu o seu mundo acabar pela segunda vez.
O quarto era um mar de sangue. Os lençóis brancos estavam manchados de um líquido espesso e vermelho que tingia também as paredes. Mark estava deitado de bruços na cama. Os seus olhos castanhos miravam o vazio, suas pernas estavam viradas em ângulos estranhos, seu rosto estava completamente arranhado. Mas o choque maior veio ao virar o corpo do menino.
Um buraco negro e profundo podia ser visto do lado esquerdo do peito. Ao redor do buraco haviam marcas de unhas e de dentes, uma cena grotesca. Seus ossos da costela estavam triturados, nada estava direito. Não havia qualquer sinal do coração do menino.

31 de outubro de 1968, 19:00
Depois de uma pequena passada pela casa estranha, um guarda decide entrar e dar boas vindas aos novos hóspedes que tinham acabado de chegar. Após bater muito na porta e não ter resposta, decidiu entrar pela porta da cozinha que estava sempre aberta.
A casa estava escura. O guarda ergueu a lanterna e empurrou a porta. Sua lanterna caiu no chão.
Pendurado no teto havia o corpo de um homem adulto. Ele cheirava à morte, podridão e álcool. Seu corpo pendia de uma corda mal amarrada, mas forte o suficiente para sustentá-lo.
O guarda ligou para a polícia. Enquanto aguardava notícias, decidiu seguir as manchas de sangue que subiam até o primeiro andar. Um aperto tomou conta de seu peito, ele já sabia qual queria o fim dessa história, não podia ser coincidência.
Ele empurrou a porta do quarto e ficou em estado de choque. Sim, tinha acontecido de novo. Aquele seria uma longa noite de investigações que não dariam em nada. De novo.

31 de Outubro de 1996, 00:13
                                                                  
Bianca se prepara para dormir em seu novo quarto. O dia está frio, mas ela tem certeza que os calafrios que sente não derivam da temperatura. Apesar das brigas com a irmão mais novo, ela havia conseguido ficar com aquele quarto no primeiro andar, não era um dos maiores, mas era o mais confortável.
A mudança tinha sido bastante cansativa, depois de horas de arrumação, a velha casa parecia ter um novo visual. Bianca precisava descansar, pois ainda haviam muitas coisas para fazer, já que sua mãe só chegaria no outro dia de noite com o resto da mudança.
Talvez aquela nova cidade significasse uma nova vida para ela e sua família. Depois que o seu pai fora preso por ter matado alguns homens, Bianca, sua mãe e seu irmão, haviam passado por bastantes problemas na cidade em que moravam, talvez agora tudo pudesse ser diferente. Aqui ninguém conhecia a história deles.
Ela entrou debaixo dos seus lençóis e se acomodou na cama. Uma sensação estranha estava lhe deixando perturbada, mas ela supôs que fosse só o cansaço. O quarto estava escuro. Ela estava sozinho em sua primeira noite na casa nova.
As 02:40 da manhã, Bianca acordou assustada. Seu corpo suava muito e tremia. Ela andou sorrateiramente até a janela e abriu-a deixando o vento da noite entrar. Ao se virar para a entrada do quarto, se deparou com uma garotinha de costas, sentada junto a porta e brincando com alguma coisa. Passou pela sua cabeça que podia ser James, seu irmão, no entanto a garotinha tinha longos cabelos loiros e cacheados e aparentava ter um pouco mais que 6 anos.
Bianca se aproximou e a menina virou para ela.
No minuto seguinte Bianca estava desacordada no chão. Algo quente ardia em seu peito e suas entranhas ardiam como se tivessem sido incendiadas. A menina havia sumido, mas ela podia sentir a presença da garotinha, dentro do seu corpo.
Bianca começou a se debater no chão, sua consciência oscilava, vez por outra mostrando flashes de uma vida que nunca lhe pertencera. Seu rosto estava vermelho, suas veias saltavam da sua pele, seus braços e pernas se debatiam sem a sua ordem. Ela estava perdendo o controle do próprio corpo. Ela podia sentir a essência da garota tomando conta dele e o corroendo como ácido puro.
Ela precisava lutar contra a menina, mas sua voz não saia, seu corpo não lhe obedecia. Ela estava perdendo o próprio corpo. De repente seu corpo ficou de pé. Bianca se prendia a ele com o resto de força que possuía, o que não era quase nada. Ele começou a se empurrar contra as paredes, a puxar seus cabelos em sinal de loucura, mas nada funcionava. A garota havia possuído-a.
Quando Bianca, enfim, desabou desacordado no chão, lembranças começaram a vir em sua mente, como se ela precisasse saber de alguma coisa.

Tudo ficou escuro, de repente, Bianca estava novamente deitada em sua cama, mas era tudo diferente. O quarto agora tinha tons leves de rosa, as colchas da cama eram cheias de babados, ela tinha longos cabelos loiros e se chamava Cassie Kendle. Ela então percebeu que estava dentro de uma das memórias da garota que acabara de possuir o seu corpo.
Bianca podia sentir todos os sentimentos que habitavam aquele pequeno corpo. O medo do escuro, a ansiedade, algo ruim estava perto de acontecer. Alguns minutos depois um homem gordo e muito peludo abre com força a porta do quarto. O pequeno corpo de Cassie se encolhe e começa a tremer.
O brutamontes fede a álcool e a alguém que não toma banho há dias. Ele se aproxima da cama e joga a colcha no chão. Senta na beirada do colchão e dá um tapa no rosto da criança. Bianca sente o rosto da menina queimar e as lágrimas começam a rolar sobre o seu rosto. O homem arranca a camisola da menina e dá-lhe um puxão que quase arranca o braço dela. Cassie agora está no colo dele e começa a ser violentada.

Com todas as forças que lhe restam, Bianca se força a sair desse pesadelo. Ela começa a chorar, mas o espírito da menina não a deixa em paz. Ela precisa ver mais coisas.

Bianca está de volta às memórias. Dessa vez ela está dentro do pequeno armário do seu quarto. O padrasto de Cassie acabou de deixar o lugar e ela sabe disso porquê o cheiro podre dele ainda impregna o ambiente.
Há uma poça de sangue ao redor da menina. As violências não são mais casos isolados, mas uma rotina. Cassie está nua, existem cicatrizes e marcas de queimaduras por todo o seu corpo. O belo cabelo loiro agora está sujo e foi arrancado totalmente em algumas partes. Sua boca tem gosto de sangue e de esperma. A garota está mais frágil do que nunca, mas é possível sentir dentro dela todo o ódio que nutre pelo seu padrasto, por todos os homens do mundo. É possível sentir sua fúria e o seu sentimento de vingança.
Ouvem-se gritos vindos de outro cômodo. Bianca sabe que é a mãe de Cassie que está apanhando dessa vez. Ela é capaz de sentir toda a dor que a pequena criança já passou na vida. Agora, mais do que nunca, ela precisa sair desse pesadelo.
Tudo escurece.
Bianca está de novo no quarto, mas não no corpo de Cassie. Ela agora é uma mera espectadora. Ela está do lado de fora do armário. Ao se aproximar, é possível ver um pequeno volume enrolado com um lençol e jogado no chão. O lençol está ensopado de sangue e é o corpo morto de Cassie. Seu padrasto está dentro do armário pregando uma portinha na parede. Depois que termina, ele joga o corpo da criança dentro e fecha a portinha.
 Algum tempo depois, talvez um dia ou dois, embora Bianca não perceba a passagem do tempo, ele retorna. Tira o corpo da menina de dentro do armário e o violenta. A carne já está apodrecendo. É possível ver algumas baratas saindo da boca de Cassie, mas o padrasto da menina só sai de cima do corpo dela quando alcança o seu prazer.
Bianca assiste a tudo, mais aterrorizada do que nunca. A mesma cena se repete por horas, até que ela reúne forças suficientes para sair dessa realidade paralela.

Com um grito, ela volta ao tempo real. Cassie ainda está em seu corpo e Bianca consegue sentir toda a raiva, a dor e o ódio da criança. Bianca fica cega, Cassie toma o controle de seu corpo novamente. Em alguns momentos, Bianca consegue tomar de volta o controle de suas pernas e seus pensamentos, mas na maioria do tempo, ela fica como uma espectadora dos atos de Cassie em seu corpo.
Ela está chegando próximo ao quarto de James.
Bianca tenta empurrar seu corpo da escada. Ela sente que Cassie quer matar o seu irmão. A maldição é essa, a menina irá matar todos os homens que entrarem em sua casa, até que alguém tire o seu corpo daquele armário e a faça descansar em paz.
Cassie empurra o corpo contra a porta do quarto de James, que se abre facilmente, já que as dobradiças estavam folgadas. James acorda de sobressalto e não entende porque a irmã está com a roupa rasgada e os olhos completamente negros. Ele começa a gritar chamando a mãe, mas Cassie se joga na cama e cala a boca do menino com as mãos.
Bianca quer ajudar, ela quer salvar Cassie, quer dar o enterro digno que ela merece, mas o espírito da menina só a deixará fazer isso quando matar James.
O garoto olha fundo nos olhos dá irmã e começa a chorar. Ele sabe que não é ela que está ali. Ele então finca os dentes com toda força nas mãos que tapam sua boca. A mão de Bianca começa a sangrar e ela aproveita o momento em que Cassie se distrai para retomar o controle e gritar para James sair correndo do quarto.
Bianca usa todo o resto de suas forças para tentar se afastar enquanto James corre, mas Cassie é mais forte e consegue possuir todo o corpo dela de uma vez.

31 de Outubro de 1996, 9:20

Bianca desperta muito atordoada. Ela não sabe o que aconteceu, nem aonde está. Cada centímetro do seu corpo dói como nunca e sua visão está bastante embaçada, mas ela sente algo pegajoso grudado em todo o seu corpo.
Com um pouco mais de calma, Bianca percebe que o espírito de Cassie já saiu de seu corpo, isso dá a ela uma sensação de alívio que, rapidamente, é substituída por uma agonia. Ela deixou Cassie tomar conta de seu corpo totalmente, onde estará James.
Bianca levanta do chão e, mesmo com os protestos e as dores de seu corpo, corre até o quarto do menino.
Ao encostar a mão na maçaneta, ela começa a chorar. Ela percebe que sua roupa está todo suja de sangue e que isso só pode significar uma coisa.
O corpo de James estava caído no chão. Bianca escorregou ao seu lado e entrou em desespero. O corpo do menino estava dilacerado. Faltavam grande pedaços de pele, haviam arranhões, hematomas e o seu peito tinha sido arrancado. No lugar onde devia ter um coração, só restavam algumas costelas quebradas e um grande buraco vazio.

31 de Outubro de 1996, 20:42
Carmen entrou na pequena estrada que levava à sua casa nova após uma longa viagem, vinha trazendo o resto dos seus pertences que estavam na casa antiga.
A pequena caminhoneta subia a ladeira pedregosa, enquanto ela contava os segundos para rever seus filhos depois de um dia distante. Mesmo cansada, ainda iriam ter que terminar de ajeitar a casa e preparar um pequeno jantar.
Ao avistar o primeiro relance do antigo casarão, estranhou o fato de não haver nenhuma luz acesa. Seus filhos deveriam estar dormindo, já que não havia possibilidades deles terem saído de casa.
Carmen não conseguiu reprimir o grito ao ver que tinha um corpo caído na frente de casa. Ao olhar para cima, ela percebeu que a janela do sótão estava aberta e que, mesmo não sendo tão alta, uma queda dali seria fatal devido ao piso de concreto que havia na frente da casa.
Ao se aproximar, ela percebeu que ali jazia o corpo já sem vida de Bianca. Mal sabia ela que aquela noite terrível só estava começando e que aquele não seria  o primeiro corpo que ela veria.

31 de outubro de 2014, 10:40
A família Jhonson termina de descarregar o caminhão de mudanças. Apesar dos mitos e lendas que rodeavam aquela velha mansão, ela fora tudo que o dinheiro deles podia pagar.
O pequeno Kevin passou correndo pela porta para escolher seu quarto novo, enquanto sua mãe e seu pai terminavam de colocar as caixas para dentro.
De repente, o pequeno garoto volta correndo bastante animado:
- Mamãe... Mamãe por favor, me deixa ficar com aquele quarto do primeiro andar, ele é perfeito para mim, tem até um armário para colocar meus brinquedos dentro.
A mãe sorri, dá um beijo na cabeça do menino e diz para que ele leve suas coisas para o quanto desejado.
Aquele seria um longo dia...



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